Isso mesmo, esta não é brincadeira, é realmente uma matéria sobre a Furacão 2000. Tentarei ao máximo não falar de Gaiola das Popozudas, mas não prometo nada. Se você é brasileiro e tem idade suficiente pra saber ler, você com certeza já ouviu falar de Furacão2000, gostando ou não.
Antes de tudo, o Furacão 2000 era composto por duas equipes de som; Guarani2000 e Som2000. Quando se juntaram, o presidente da época, Castelo Branco, disse 'Isso não é Guarani, nem Som, é Furacão2000', e ficou. Isso é o que reza a lenda. O que poucos sabem é que, realmente, na época da formação da equipe, em 82, eles tocavam funk e soul. Nomes como The Graingers e Lonnie Smith permeavam as coletâneas do grupo. Funk de baixo pesado, soul vocal, a maioria das músicas falando de amor. É fácil ver a conexão e a trajetória dos caras do funk e soul ao miami bass, com o passar do tempo. Até com o rap dançante, como MC Shy D (que peço encarecidamente que vocês vejam o clipe dele no momento 0:24 e tenham o mesmo objetivo de vida que eu: curtir uma jacuzzi com um quepe de couro)
Em 1990, aparecem nas coletâneas os primeiros trabalhos brasileiros, com Dj Raphael e o Melô do pidão. Começavam as produções de funk com letras sociais leves, sem argumentos tão pesados quanto falar diretamente do crime, e sem a pseudo apologia à criminalidade. Nessa época, era bem marcante a influência do rap dançante como o do próprio Mc Shy D, na formação do funk carioca, sendo bem diferente da cena paulista do rap, na época com bandas como o rap consciência Câmbio Negro (que teve como um dos melhores trabalhos, que vale muito a pena ser procurado, o disco Sub Raça), Racionais MC's e RZO, que estava na cena já há dez anos na época.
Nessa época, vieram umas tracks
cabulosas (RÁ!) como o Rap do Silva, do Bob Rum, (
Só mais um Silva / que a estrela não brilha / ele era funkeiro / mas era pai de família) e o Rap da Felicidade (
Eu só quero é ser feliz / andar tranquilamente na favela onde nasci / e poder me orgulha e ter a consciência que pobre tem seu lugar). Além disso, eles tinham um programa na CNT, com footage que dá pra achar no YouTube com muita coisa antiga e boa. Ainda mais a mérito de comparação.
Foda que se tu morasse em lugares como Rio ou Santos, nessa época, era batata você conhecer algum DJ ou Mc. Tenho amigos cujo maior orgulho da infância foi ter mandado uma carta com um rap/funk e os Mcs da rádio terem cantado no ar. Em cidades como essas o funk era bem mais espalhado que capitais como São Paulo, cuja produção do gênero até hoje ainda é bem escassa, ainda mais comparada com a vizinha menor, Santos, que atualmente tem festas como as antológicas dos 32 MCs.
Mais perto do começo da era de Aquário, o novo milênio, o Furacão começou a fazer letras mais sexuais.
BEM mais sexuais. É só lembrar de Bonde do Tigrão. Até o metaleiro mais satânico e vindo das trevas conhece tracks como
Cerol na mão, Tchuthuca, e a versão de
Who let the dogs out, Só as cachorras. Outros aparecem, como Havaianos, Bonde do Vinho, Jonathan Costa(Do clássico
De segunda a sexta esporro na escola / Sábado e domingo solto pipa e jogo bola / Dance, potranca, dance com emoção. Isso seguido pela músiquinha do Tetris remixada. Tive que ir no site da Furacão pra ouvir a música, que não ouvia há pique 8 anos.), Gaiola das Popozudas, Danadinhas, Sabrina, e a clássica Tati Quebra Barraco. Nessa época, mais ou menos recente, as mulheres começam a se liberarem sexualmente, falando de temas universais e de suma importância, como porra na cara e sexo
anal.
Destaque pro CD que estourou o funk no formato atual, o
Furacão 2000 - Tornado muito nervoso. Vários petardos, como Potranca Gostosa (
seu corpinho tremendo fica um tesão / és maravilhosa / quando rebola seu popozão), Pega Ladrão (
Vai popozuda / empina tua bunda / ô Raimunda!), Lamba Funk (
Popozuda vem mexendo balançando o popozão / POTRANCA!), Meter a mão (
A mina quer dançar, dançar / a mina quer meter a mão / uma na cabeça, uma no popozão). Ok, ok, talvez esse não seja o melhor exemplo. Mas foi ele que fez o funk carioca se tornar conhecido no Brasil inteiro, pelo bem ou pelo mal.
Fato é, o funk realmente teve seu início no
funk. Mas ao contrário de alguns outros gêneros, ele não parou no tempo, e refletiu as mudanças feitas lá fora. O que acontece é que praticamente
ninguém conhece a história da Furacão 2000 e suas ramificações. Isso sem falar da hipocrisia. Moderninho torce o nariz pra Lacraia, mas paga 30 pau pra ver Bonde do rolê e genéricos. É tão difícil ver a ligação entre um e outro?
Não, não é.
Um paral
elo interessante ao funk carioca é o do cenário musical na Jamaica; de alguns anos pra cá, 90% da música produzida lá é Dancehall. Porém, claro, o reggae roots mid70s é reconhecido mundialmente, o que torna esta uma suposição. Mas, imagine, só pra me alegrar, que o reggae nunca tivesse estourado, e o Dancehall dominasse o país atualmente. Teria a mesma fama que o funk carioca, de chulo e musicalmente pobre. Porém, na Jamaica é impossível ignorar o Reggae, que teve nomes como Skatalites e Toots Hibberts. Aqui, podemos ignorar tudo que foi tocado e produzido.
Afinal de contas, acabamos de comemorar os 50 anos da criação da Bossa Nova. E 30 anos de puro ostracismo dela. Foda-se que antes de cunhar o termo
Popozuda eles tocavam soul, funk, e o DJ Malboro tem uma coleção de música negra com tracks que muito sabichão nunca sequer vai conhecer. Meter pau é bem mais fácil.
Pra quem quiser ouvir mais, o
site da Furacão oferece praticamente 20 cds já lançados pra ouvir na íntegra, 0800. Infelizmente, não tem tanta coisa da fase mais social do funk.