quinta-feira, abril 30, 2009

O garoto da Hungria

Daqui pra frente, todas as quintas, o colega Ciro Hamen, do Acento Negativo, escreverá crônicas sobre a cidade pra Action. Hoje, sua quinta crônica.

Quando morava nos Estados Unidos, precisei ir a vários encontros de intercambistas. Esses encontros tinham como objetivo socializar os intercambistas e eram uma chatice, mas de vez em quando aconteciam umas coisas legais. Tinha ido ver uma faculdade ao lado de um monte de chineses, coreanos, indianos e assim por diante. Completamente entediado, comecei a puxar conversa com um garoto que estava ao meu lado.

- De onde você é? – perguntei.

- Da Hungria – ele respondeu. Acho que nunca tinha conhecido um húngaro na minha vida.

- Ah, legal.

Curioso, ele também perguntou de onde eu era.

- Do Brasil.

- Sim, mas de onde?

Pensando que o garoto húngaro não ia conhecer uma cidade como Santos e subestimando a sua inteligência, respondi:

- De São Paulo. Quer dizer, do estado de São Paulo.

- Do estado de São Paulo? Mas de que cidade?

- Santos – respondi.

Com cara de espanto, o moleque perguntou:

- Pelã?

- Hã?!

- Pelã?

- O quê?

- Pelé!

- Pelé! Ah sim... Pelé! Desculpa. Claro, claro. Pelé! Você conhece o Santos.

- Sim. É o meu time no Brasil. Adoro o Pelé.

- Caralho.

Uma porra de um moleque húngaro no estado de Ohio sabia onde eu morava por causa da porra do time de futebol. Fiquei tão emocionado que nem sabia o que falar. Podia falar que conhecia o Puskas, mas não sei se pegaria muito bem. Afinal, eu nem sabia em que time o Puskas jogou. E a única cidade da Hungria que eu conseguia lembrar era Budapeste.

- Porra. Que demais. Você joga futebol? Vamos marcar de jogar algum dia.

- Vamos sim.

Trocamos telefone e tudo, mas nunca nos ligamos. Acho que o momento foi tão bonito que preferi ter o cara guardado na memória daquele jeito. O prestígio que o Santos Futebol Clube dá para a cidade ficou marcado em mim para sempre. Tanto que um garoto do Leste Europeu, vivendo na América do Norte, conhecia a cidade por causa do time. Era algo memorável. Pelo menos para mim.

Ciro Hamen é jornalista, escreve diariamente sobre cinema no blog www.acentonegativo.blogspot.com e todas as quintas-feiras no Coletivo Action.

terça-feira, abril 28, 2009

El Lissitzky, o mito multimídia dos anos 20

Seguinte, há cerca de três meses, nós temos uma coluna semanal no blog da Agenciau, que nos tem dado uma força bacana em vários aspectos. Ocasionalmente postaremos textos bons de lá, aqui. Como ontem foi o dia do designer gráfico, vamos homenagear um dos ídolos dos membros da Action, o El Lissitzky. Aproveitem.
-

Eu relutei muito comigo mesmo em falar sobre ele aqui ou mesmo lá na Action. É tipo tu ser um jogador de futebol e se meter a falar do Pelé ou do Obdulio Varela, além de ser difícil, sempre vai soar uma bronha danada, dependendo de como você direcionar as coisas.
Primeiro, já vou apontar qu e o El Lissitzky é um mito. O cara foi um dos grandes do movimento soviético de artistas gráficos que revolucionaram aquela chatice que reinava no início do século XX.


Ele era judeu e ainda jovem foi estudar fora da Rússia (nessa época, ainda governada pelos Czares), onde foi se descobrindo como artista. O que mais o interessou na época foi a cultura judaica tradicional, influenciado por um grupo de artistas russos judeus que estavam morando em Paris, um dos locais onde viveu. Os trabalhos desse início de carreira eram totalmente voltados para esse lance judaico, dando ênfase em ilustrações de livros infantis para crianças judias. Apesar de não ser judeu, eu curto pra caralho essa fase do cara, que além dele já mandar extremamente bem nas ilustrações, você já consegue sacar muito do que ele foi usar na fase posterior da carreira, como alguns elementos tipográficos hebraicos e muito contraste de cores.

Início da carreira, ilustrações inspiradas na cultura Judaica

Depois de trampar numa escola cujo dono era o conhecido pintor Marc Chagall, Lissitzky começou a desenvolver as peças de propaganda para o governo soviético, inclusive foi nessa época que seu trabalho mais conhecido foi produzido, a litografia “Beat the Whites with the Red Wedge”.
Juntamente com seu mentor Kazimir Malevich, El Lissitsky fundou o “Molposnovis”, uma espécie de coletivo de estudantes e professores que deu origem ao Unovis, grupo que buscava introduzir o Suprematismo entre o povo.


O trampo mais famoso do cara, “Beat the Whites with the Red Wedge”



Nesse período, enquanto lecionava na escola do Chagall, ele começou a fazer alguns trabalhos voltados para esse novo movimento criado. A idéia do cara era rejeitar formas naturais e se focar na criação de formas geométricas “puras”. El Lissitzky embora dividido com as idéias de Chagall e do seu mentor Malevich, acabou produzindo várias séries de pinturas suprematistas chamadas de “Proun”, termo cunhado pelo próprio para definir essas formas geométricas dotadas de perspectiva 3d que eram visíveis nesses trampos. Os Prouns ao longo dos anos foram saindo das telas e foram feitas instalações, dando início nas experimentações de Lissitzky com arquitetura. Durante essa fase, El Lissitzky voltou a produzir coisas voltadas para o Design Gráfico, como uma coleção de poemas de Mayakovsky e mais ilustrações para livros infantis, mas sem deixar de produzir mais e mais Prouns, sempre fazendo um sucesso fodido.


Um dos seus inúmeros "Proun"


Mantendo essa pegada “multimídia” dos artistas soviéticos, El Lissitzky ainda trampou como decorador de exibições de sindicatos e ainda produziu seus tradicionais posters para o governo soviético, até morrer de uma tuberculose que já acabava com o cara há alguns anos.

Todos os artistas soviéticos tem uma história interessante, tretas com minas, vodka até o talo e outras coisas bem bizarras, mas o El Lissitzky conseguiu com um apanhado de referências, criar um estilo próprio com que se adaptou em várias de suas incursões artisticas, como foto montagens, litografias e instalações. Ah, fora que é uma das principais influências da Action. E é por isso que não podíamos deixar de mencionar o cara por aqui.

segunda-feira, abril 27, 2009

James Pants meets Egyptian Lover

A Stones Throw lançou nessa última semana um 12 polegadas do James Pants em parceria com o Egyptian Lover, famoso na cena electro e do rap no início dos anos 80.
E pra quem não conhece James Pants, o cara é uma das gratas surpresas do bom electro feito atualmente, ainda falaremos dele com mais detalhes, ele merece.

O disco, intitulado Cosmic Rapp (Egyptian Lover Remix) 12" possui 6 músicas. Destaque para a track que dá nome ao 12 polegadas, Cosmic Rapp, do primeiro lançamento de Pants e remixada aqui pelo Egyptian Lover, dando uma aura de miami bass fodida. Nas músicas restantes, sons mais experimentais. Bem a cara do James Pants , que em seus trabalhos pira nos synths e na sua bagagem de rap, soul, funk, electro e boogie.

A capa é um elemento importantíssimo a se mencionar. Tem um design limpo e lembra muito a arte dos 12 polegadas nos anos 80. Aliás, 0 material gráfico lançado pela Stones Throw já foi elogiado pra cacete aqui no blog. Mesmo assim, falar do artwork dos discos é sempre uma obrigação quando se fala da Label.

No link dá pra ter um preview das faixas, mas a melhor alternativa com certeza é adquirir o vinil, que deve ser disponilibizado para compra online logo logo.

sábado, abril 25, 2009

quinta-feira, abril 23, 2009

Meu gato Coco

Daqui pra frente, todas as quintas, o colega Ciro Hamen, do Acento Negativo, escreverá crônicas sobre a cidade pra Action. Hoje, sua quarta crônica.

Theresa e Marcos.

Marcos está sentado no café, esperando por Theresa. Olha para os lados, tira um celular do bolso e liga para ela. Não tem resposta. Marcos é um homem com pose de canalha: óculos escuros, bigodinho e cabelo preso em um rabo de cavalo. Se veste como se fosse um integrante da máfia, com camisa social e cigarros sempre a mostra.

- Cacete, Theresa! – diz, irritado.

Do outro lado da rua, Theresa está correndo. Toda arrumada, com batom e maquiagem, está claramente preocupada com a aparência. Tem mais ou menos uns 20 e poucos anos e é bonita e elegante. Chega no café ofegante.

- Oi Marcos, desculpa a demora.

Ao vê-la chegar, Marcos se levanta e dá um beijo em seu rosto.

- Oi Theresa. Ah, tudo bem. Eu acabei de te ligar, mas ninguém atendeu.

- Ah, sim. Eu estava com o telefone desligado. Desculpa a demora, fiquei um tempão na rua com duas menininhas que me chamaram de dentro de uma casa, ali na Luís de Faria, dizendo que perderam o cachorrinho. Elas me chamaram e perguntaram se eu não tinha visto, aí resolvi ajudar elas a procurar, mas não adiantou nada.

- Puta... Mas e aí?

- Ah, a gente ficou procurando. Meu deus, eu fiquei com tanta pena delas.

- Senta aí. Toma um café.

- Bom, acabei dando meu telefone pras menininhas... O quê? Elas deviam ter uns 10 anos. Peguei o telefone delas também e disse que se encontrasse o cachorrinho ligava. Por que fiz isso?

- Fica calma. Elas acabam encontrando – Marcos diz, enquanto acende um cigarro.

- Não sei! Aquilo me doeu o coração! Eu adoro animais, você sabe, né? Você já viu o meu gato? Eu devo ter uma foto dele aqui em algum lugar – Theresa mexe na bolsa, olhando para Marcos ao mesmo tempo - Não sabia que você fumava.

- Você não?

- Não. Nunca coloquei um cigarro na boca em toda a minha vida.

- Pois devia – e solta uma baforada na direção dela.

- Nossa. Você fuma igual àquele ator.

- Marlon Brando?

- Não, não... Um outro. Ah, esqueci o nome agora.

- Ah, já me disseram que eu sou o Marlon Brando do cigarro.

Theresa puxa o celular para fora da bolsa.

- Tá aqui. Uma chamada perdida de Marcos... Tomicka? É assim que fala? O que é? Judeu?

- Não, não. É polonês. Dá pra perceber?

- Bom, talvez. É que eu nunca tinha visto antes e tudo que soa estranho, já vou achando que é judeu. Mas nunca imaginaria que sua família é polonesa. Não tem muitos imigrantes aqui, né? Eu sou judia, sabia? Quer dizer, não pratico, mas nasci assim.

- Sério? Não tem cara.

- Ah, e como é a cara de um judeu?

- Ah, não sei. Como é a cara de um polonês?

Theresa olha para a cara de Marcos e diz:

- São bem branquelos, meio calvos, magrelos. E com uma cara de bobo assim...

- Pelo menos não são circuncisados – ele responde, irritado.

- Bom, esse não é o meu caso.

- Como não? Pode ser. Existe a circuncisão feminina.

- Sim, mas não no judaísmo, né...

- Bom, existem todos os tipos de barbaridade onde você menos imagina. Seu pai é circuncisado?

- Não sei!! Que pergunta!! O quê? Você tem problemas...

- Calma... Só queria saber...

- Acho que não. Ele é italiano. Minha mãe que é judia. Tradicionalmente, o filho só se torna judeu se a mãe também...

- Sim, eu sei. Mas não só judeus que circuncisam... Muçulmanos, algumas tribos africanas, e nos Estados Unidos também fazem isso por "razões médicas", porque é mais limpo e toda essa bobagem.

- Mas não é?

- Bom, talvez... Mas até aí... Será que ninguém sabe usar um chuveiro ou algo do tipo?

- Mas qual é a diferença, afinal?

- Entre um circuncisado e um não?

- É!

- Toda! Você, como mulher, devia prestar mais atenção nisso. Todo o prazer está ali no prepúcio. Sem a pele, você perde tudo aquilo. Fora a crueldade que é fazer isso com uma criança. Imagina o trauma que ela leva pro resto da vida... Sem contar o fato de que ela nem escolheu por isso.

- Você estuda essas coisas?

- E o Thomas, é?

- Não, né! Olha, eu vou falar, já experimentei circuncisado antes e posso dizer que não é nada bom...

- Hahaha. Não disse? Quem é? Eu conheço?

- Acho que sim! Mas não vou falar. Bom, de qualquer jeito, ele era um idiota também. Será que tem alguma ligação?

- Bom, isso eu não posso dizer.

- Mas por que você achou que ele era?

- Ah, não sei, nunca se sabe. O pai dele não é médico?

- Não! De onde você tirou isso?

- Ah, não sei. Achei que fosse. Falando nisso, como ele está?

- Bem... Eu acho.

- Como? Acha?

- Ah, a gente não tem conversado muito. Estamos dando um tempo...

Theresa fica meio tímida e começa a mexer dentro da bolsa novamente.

- Um tempo? Mas por quê?

- Ah, não sei. Foi tudo muito rápido, sabe? Começamos a sair todo dia logo no começo. Acho que não levamos as coisas devagar e isso desgastou um pouco.

- É. Acontece... E vocês...

- Olha! Achei! – Theresa grita, puxando um papel de dentro da bolsa.

- O que é isso?

- É meu gato, que eu tinha te falado. Uma foto dele.

- Bonitinho.

- É. O nome dele é Coco!

- Coco? Por quê?

- Ah, eu tirei de uma música do Tom Waits. A música se chama “My Coco Cat”. Sabe?

- Não conheço. É do CD novo?

- Não! É antiiiga... Mas não é muito conhecida.

- Entendi. E você deu esse nome porque é fã dele.

- É. O gato dele deve ser tipo o meu... Não arranha. Só faz carinho. Sabe. O amor dos animais é incondicional, né? Eu descobri minha ligação com esse gato faz pouco tempo. Ele me olha de um jeito que nenhuma pessoa - NENHUMA - jamais vai olhar.

- Você diz isso por causa do Thomas?

- Não! Eu digo isso porque cansei de acreditar no amor. É isso. Não somos felizes e a liberdade não existe.

- Como assim, a liberdade não existe?

- O que é ser livre pra você?

Marcos fica um tempo pensando.

- Ah, não sei. Poder fazer o que quiser. Ficar ouvindo a música que eu quero, a hora que eu quero. Ter dinheiro pra ir pra qualquer lugar a qualquer hora. Sair chapando, ficar loução. Sei lá...

- Viu? Ninguém é livre. Estamos todos presos.

- E por isso você não pode ficar com o Thomas?

- É! Por isso eu não posso ficar com o Thomas!

- Isso é ridículo.

- O Thomas tem as preocupações dele. Eu tenho as minhas. Ele é mais novo. Olha, não sei. Não quero falar sobre isso. Eu vou no banheiro, tá? Já volto.

Theresa se levanta e vai ao banheiro. Marcos permanece sentado sem dizer nada.

***

Taís e Thomas

Thomas, um rapaz de mais ou menos 20 anos, está sentado em um café ao lado de Taís. Enquanto ela se mostra animada, mastigando uma barra de chocolate, ele parece entediado com a conversa.

- Quer chocolate? – ela pergunta.

- Não, obrigado.

- Está de regime?

- Não, não quero mesmo.

Taís continua mastigando, até acabar o chocolate.

- Eu te liguei há alguns dias, mas você nunca me ligou de volta.

- Desculpa. Eu deixei o telefone cair na privada.

- Meu Deus. Por que as pessoas sempre deixam

o celular cair na privada?

- É... Não sei. Eu estou sempre deixando os meus caírem na privada.

- E como está você e a Tereza?

Nesse momento, a garçonete se aproxima da mesa. É uma garota jovem, meio descolada, usando uma camiseta do Sleater-Kinney e um avental por cima da roupa. Interrompendo a conversa, ela pergunta:

- Mais café?

- Não. Obrigado – diz Tomas.

Taís pega o cardápio.

- É... Deixa eu te perguntar uma coisa. De onde vocês tiram esses nomes?

- Como assim?

- Mocca Old Fashioned... Choco Shake... Café Volkonsy…

- Esse é especialidade russa. A gente faz aqui.

- Haja criatividade para tanto nome idiota. Alguém é pago para inventar essas coisas?

- Eu mesma dou os nomes às nossas especiarias.

- Ah. Eu quis dizer... São criativos... Digo, engraçados. É... é isso. Parabéns.

A garçonete vai embora, sem dizer mais uma palavra. Thomas dá risada.

- Poxa, os nomes são ridículos, não são? Não tenho culpa...

- Olha, falando em especialidades russas, eu trouxe aqueles livros que você me emprestou – diz Thomas, tirando alguns livros de sua sacola.

- Ah, e aí? Você gostou?

- É. Gostei mais do Anna Karenina.

- Um clássico, né? Se identificou com a história do garotão que se apaixona pela mulher mais velha e casada?

- Na verdade é ela que se apaixona por ele, não é?

- Nossa, não acredito que você leu todo. São poucos que conseguem terminar.

- Eu gosto de ler.

- É uma daquelas metas que muita gente tem, de coisas pra fazer antes de morrer.

Thomas sorri e Taís continua:

- “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”.

- Você acha isso?

- Não sei nem se existem famílias felizes.

- É verdade...

Os dois ficam em silêncio. Taís coloca os livros na mesa.

- Você não me respondeu – ela diz – e a Tereza, como está?

- Ah, normal. Estamos dando um tempo.

- Um tempo? Como assim?

- Um tempo, oras. Não estamos nos vendo.

- Mas por quê?

- Não sei. Relacionamentos desgastam, né? E o nosso foi estranho. A gente se conheceu e de repente nos víamos todo dia. Quer dizer, eu gostava dela. Por mim via ela todo dia. Mas agora eu vejo que foi uma decisão inteligente parar. E vejo que idiota que eu fui. Era apenas um garoto babaca deslumbrado por aquela mulher sedutora...

- Thomas! Não é assim. Você não é um garoto babaca. O que ela colocou na sua cabeça?

- Nada! Só enxergo tudo melhor agora.

- Thomas...

- Às vezes tenho minhas dúvidas se ela realmente gosta de mim.

- Por quê?

- Não sei. Ela nunca demonstrou. Bom, mas isso não importa agora, né?

- Você gosta dela!

- É, gosto. Mas acho que gosto mais dela do que ela de mim.

- Acho que vocês têm tudo pra dar certo.

- Por que você diz isso?

- Ela gosta de você. Eu sei.

Os dois ficam em silêncio.

- Ela tem um gato. Se chama Coco – diz Thomas.

- Coco?

- É. Coco. Como um nome japonês.

- Por que Coco?

- É de uma música do Tom Waits. “My Coco Cat”.

- Ah.

- Então. Eu acho que ela coloca toda a culpa da infelicidade dela no gato.

- Como assim?

- Não sei. Ela está o tempo todo falando nele e como só ele entende ela. É quase como se fosse a irmã dela. Ela age como se fosse sozinha e só tivesse ele.

- Eu só acho que ela não quer se abrir completamente para você. Tem medo de se machucar. Afinal, ela estava com alguém bastante tempo antes de você.

- Sabe aquela pessoa que você sonhou que você ia casar, desde pequeno? Que você cresceu sonhando. Que você imaginou que era a certa para você... Então, ela é essa pessoa.

- Dá um tempo, Thomas. Acho que vocês precisam de um tempo mesmo. Depois vocês correm atrás de todo esse tempo perdido.

- É...

Tomas suspira e depois diz:

- Bom, acho que está na minha hora de ir.

- Já vai?

- É. Tenho algumas coisas pra fazer. Pega aqui a minha parte pelo café.

- Tá legal. Foi bom conversar.

- É. Foi bom. Deveríamos combinar de sair mais vezes.

- É. Pode deixar. Eu te ligo.

- Tá bom.

Thomas se levanta, dá um beijo no rosto de Taís e vai embora. Taís permanece sentada na mesa, tomando seu café e pensando nas coisas. Abre um dos livros que Thomas devolveu e fica lendo.

***

Theresa e Taís.

Theresa está sentada no mesmo café onde Taís e Tomas estavam no dia anterior. Taís aparece e abre um sorriso ao ver Tereza.

- Oi Theresa. Tudo bom?

- Tudo bem. Estava trabalhando até agora. Estou exausta.

- Ah é? Você ainda está trabalhando na locadora?

- Sim. Meu deus, é cada tapado que tenho que atender. Você nem imagina...

- É?

- Olha só. Hoje apareceu um cara lá, dizendo que era estudante de cinema e que precisava ver um filme. Veio com um papelzinho com o nome anotado e tal. Até aí, tudo bem. Bom, aí vou ver o que está escrito: “O encouraçado Polenguin”.

Taís começa a dar risada.

- E ainda tenho que aturar um cara que vai sempre lá e fica me oferecendo carona pra ir pra casa. Hoje ele queria me trazer aqui. Estou começando a ficar com medo dele – diz Theresa.

- Nossa. Sério? Mas é um cara velho? Bonito?

Taís tira um cigarro de seu maço.

- Quer um? – ela pergunta.

- Não, obrigada, eu não fumo. Ah... é um cara velho. Cinqüentão, assim. Mas não, não é nada bonito. E mesmo se fosse, ele é louco, maníaco. Chega bem no fim do expediente e fica lá um tempão, só esperando a minha hora de ir embora.

- Eu hein!

- É. Sorte sua não trabalhar lá!

A garçonete sai de trás da porta e ao ver que Taís está na mesa, fica parada por alguns instantes. Hoje, a garçonete está com uma camiseta do Yeah Yeah Yeahs. Ela faz uma cara feia, vira as costas e volta para o lugar de onde saiu.

- Olha... Você já veio aqui antes? – Taís pergunta em voz baixa.

- Não. Essa é a primeira vez.

Taís se aproxima de Theresa e segura na mão dela:

- Os nomes dos drinks são bizarros. Dá uma olhada no menu. Eu falei isso pra garçonete ontem e ela não gostou. Me olhou com uma cara feia.

- Hum... Depois eu vejo.

Theresa continua olhando para Taís. Olha para a mão dela, que ainda está sobre a sua. Levanta a sobrancelha e olha para o seu rosto.

- Não! – Taís tira rapidamente a mão de cima da de Tereza - Não é o que você está pensando. Desculpa.

- Então... Para que você me chamou aqui?

- Errr... Eu precisava falar algumas coisas pra você. É sobre o Thomas. Eu falei com ele ontem.

- E?

- Acho que ele gosta muito de você.

- E daí?

- Nada. Sei que não é da minha conta, mas fiquei comovida depois de falar com ele ontem. O Thomas está muito triste. Acho que você devia dar outra chance a ele...

- Ele que devia me dar outra chance. Escuta, sinceramente, não entendi porque você me chamou aqui. Realmente não é da sua conta...

- Sim, eu sei. Só quero que você me escute. Sei que não somos amigas muito próximas nem nada, mas escuta. Eu conheço o Thomas e nunca vi ele assim antes. Por que você duvida que ele gosta de ti? Ele me contou a história de um gato, um tal de Coco, por causa de uma música do Cat Stevens...

- Do Tom Waits.

- Sim. Isso. São iguais. Mas ele falou sobre o amor incondicional e tal. Aquilo me tocou...

- Taís, por que você está dizendo essas coisas?

- Me escuta. Por favor.

- Eu estou escutando. Já entendi o que você quer dizer. Escuta... Podemos falar sobre outra coisa? Depois converso com ele.

- Tá bom.

- Eu tenho tido uns sonhos estranhos ultimamente – diz Theresa.

- Tipo o quê?

- Elevadores. Sonho que estou dentro de elevadores e eles sobem sem parar e quando chegam lá em cima viram de cabeça para baixo...

- Nossa.

- É como se eles virassem ao contrário e eu continuasse lá dentro. É horrível.

- Tem algum significado?

- Não sei. Isso geralmente acontece quando eu vou no prédio de uma amiga, onde mora uma ex-namorada dele. O elevador lá é estranho, pára no andar errado, mas nunca fiquei presa.

- Qual é o seu signo?

- Escorpião. Por quê?

- O veneno.

As duas ficam em silêncio por alguns instantes.

Se alguém me dissesse que eu sou a mulher com quem ele cresceu sonhando, desde pequeno, não sei o que eu faria... – diz Taís.

- Ele disse isso?

Taís balança a cabeça, dizendo “sim”, e pergunta:

- Por que você duvida disso?

- Eu não estou duvidando.

Ciro Hamen é jornalista, escreve diariamente sobre cinema no blog www.acentonegativo.blogspot.com e todas as quintas-feiras no Coletivo Action.

segunda-feira, abril 20, 2009

King Tubby, o rei gordinho

King Tubby, uma das maiores referências do Dub, nasceu com o nome de Ousborne Ruddock em 1941 em Kingston, Jamaica. O cara fez história como uma das maiores figuras do gênero, com sua tradicional coroa e tunes de derreter o coração de qualquer soundbwoy. Até hoje é citado como o inventor do remix.

Trampando no inicio com soundsystens como técnico, já que seu ofício era, na realidade, consertar rádios, após algum tempo formou sua própria, a Tubby’s HiFi. Foi um sucesso devido a qualidade sonora e o uso de echos e reverbs, que na época era novidade, mas depois iria eclodir em algo praticamente obrigatório em dubs e reggaes da época.

King Tubby

Depois de trampar como cortador de discos pro Duke Reid em 1968, o pai do Dub foi requisitado a tirar os vocais das tracks, o que foi feito. Porém, com toda a aparelhagem do estudio, ele pode perceber que partes podiam se ressaltadas, mudadadas, rolando fades, echos e reverbs. Quanto aos vocais, eram deixados quase sempre a última palavra de cada frase, alongada ao infito. Muitos toasters costumavam a usar para um diálogo, quando cantavam em bailes e sound systens. O cara fazia músicas mudando os instrumentais pré existentes, só diferenciando ênfases, dando folego a velhas musicas sem ter o trabalho de produzir novos sons além dos que já haviam.

Eram levadas em contas principalmenta a ‘cozinha’, ou seja, o baixo e a bateria, pilares do dub. Ele fez parcerias com produtores como Lee Scratch Perry, Bunny Lee e o Rei da escaleta, Augustus Pablo.

Aqui entra o toasting, feito pelos deejays, que era cantar em cima da música, que iam do slacking à louvação, em cima da musicalidade ‘psicodélica’ do dub. Nessa época se consolidaram toasters de sucesso, como U-Roy, que esteve recentemente no Brasil, como outros. Essa foi a época de ouro dos toasters, que agora tinham uma liberdade imensa para cantar em cima dos riddims deixados pelo Tubby, que na realidade eram regravações de Ska e Rocksteady, porém, com outro ritmo, as vezes não tão dançantes, mas tão marcantes quanto.

As gravações eram uma sacada de gênio. Alguém gravava uma música, o lado b, ou VERSION, como eram chamadas, eram colocadas no mesmo disco. Portanto, você tinha uma gama muito maior de sonoridades produzidas. Assim como o uso do mesmo riddim (ritmo) era usada em outras músicas, como sempre foi um costume jamaicano com hits. Bom exemplo disso é o riddim de Israelites, do Desmond Dekker, que inspirou inúmeras ‘cópias’, como o Melô de Leão, nome maranhense para uma pedrada com o mesmo ritmo do hit de Dekker. O problema dos dubs em discos eram que muitos deles, não só os de Tubby, como os do Upsetters e outros, ultrapassavam em vendagem tunes como as de Bob Marley, na época dos Wailers.

Ele praticamente se aposentou da música no final da década de 70, porém deixou pupilos como King Jammy e Scientist, que já veio ao Brasil. E deveria ter vindo com Lee Perry, que não subiu no avião devido à más vibrações. Mas essa é outra história.

O Rei morreria em 1989, quando um grupo o esperava fora de sua casa, numa possível tentativa de assalto.

Pessoalmente, os álbuns King Tubby e SoulSyndicate - Freedom Sound in Dub, com a track Leaving Babylon in Dub, com seu baixo forte e bateria initerrupta, impersona bem o que é o dub. Já o casamento King Tubby Meets Lee Perry com a track Perfidia Dub, é de chorar com a união da escaleta, o piano e um orgão marcante. Isso sem contar o Meet the Rockers Uptown, com o Augustus Pablo, conhecidissíma.






R. Darci

sábado, abril 18, 2009

Apresentamos o High Life


Aqui na Action temos um quadro que rola de vez em nunca que é muito querido meu, o Mama Afrika never lets you down. É basicamente uma coletânea do que estamos ouvindo, ou ouvimos, e tem um peso considerável dentro da música, negra ou não, sendo que raramente postamos algo feito por brancos - vamos encarar, homens brancos não sabem enterrar ou fazer boa música*. A mãe África não é só um dos grandes temas dentro das canções de reggae, mas, sim, o verdadeiro berço de praticamente todos os grandes ritmos atuais. Nomeie qualquer um e você encontra ao menos uma raiz na África. Mas raramente falamos verdadeiramente de ritmos africanos, que nasceram, engordaram e continuaram por lá.

Aí que entra o tema, o High Life. É um ritmo que começou na Nigéria mas se estendeu pra Ghana, Serra Leoa e todo o resto da África, principalmente nos países falantes de inglês.
As gravações de início, lá pelos idos de 1920, são lindas. Guitarras, trompetes, vocais cheios de alma. É até parecido com Calypso, se você considerar parte da percussão, parecido com Ska

Se você encarar os metais, um vocal cubano, e trabalhadíssimo como o Jazz. As cantoras, negras, lindas, a dificuldade, as gravações feitas nos estúdios parcamente equipados da época, tudo conspira pra um som criativo, e, mesmo lembrando a estética caribenha, é único e novo.




A.B. Crentsil, um dos grandes guitarristas do Hi Life Ghanense

É como se alguém tivesse pego o melhor dos ritmos negros da época e misturado tudo com classe no coração de onde vieram todos os outros, a África. Mas, como todos os outros, evoluiu com o tempo e foram-se adicionando elementos modernos.

Sintetizadores, samples e beats são os grandes elementos do High Life moderno, com uma cara um pouco mudada, chamada de Hip Life. Assim como antigamente foram absorvidos ritmos caribenhos, agora também isso acontece, com influências do Soca e do Dancehall atuais. Caras como Daddy Lumba e Screwface são dois grandes atuais e inclusive tem audiência cativa em picos como Londres e Paris, cidades com fortes correntes migratórias africanas.

Como todo gordo anacrônico, eu lamento um pouco o fato do High Life original ter perdido a batalha tendo se entregue completamente as beats eletrônicas, ou, ao menos, ser inacessível deste lado do globo. Não que não curta o atual, é um ótimo ritmo dançante, mas o High Life clássico que é foda demais.

Pra quem quer ouvir mais, acesse o Museke, página de musica africana. Observe a data de nascimento dos músicos, isso indica bem o estilo de Hi Life que costumaram tocar.


R. Darci *É um superlativo, claro que existem bons músicos brancos.

quinta-feira, abril 16, 2009

O Ano Novo

Daqui pra frente, todas as quintas, o colega Ciro Hamen, do Acento Negativo, escreverá crônicas sobre a cidade pra Action. Hoje, sua terceira crônica.

Faltava meia hora para o ano novo. Camila estava na cozinha preparando o almoço do dia primeiro de janeiro para a sua família, como fazia todos os anos. Enquanto isso, no quarto, Renato assistia à última temporada de CSI na televisão. Tinha baixado todos os episódios na Internet e gravou tudo em um DVD.

- Precisa de ajuda, Cá? – ele gritava.

- Não. Está tudo bem.

Renato tinha decidido ser mais bonzinho com Camila no próximo ano. Era uma de suas resoluções de ano novo. Tinha sido um namorado de merda nos últimos cinco anos, mas fez uma promessa de que aquilo ia mudar.

Renato largou os DVDs, entrou na cozinha e agarrou Camila por trás.

- O que está fazendo? – ela perguntou.

- Deixa eu mexer isso, vai.

- Não preciso de ajuda. Já falei. Prefiro fazer isso sozinha.

- Bom, então eu vou ir comprar uma garrafa de champanhe, como você tinha pedido.

- Essa é uma boa idéia. Mas não vai ficar tarde? Faltam vinte minutos para a meia-noite.

- Tudo bem. É rápido.

- Tem certeza, querido? Eu não me importo. Prefiro ter você aqui e um beijo seu em vez de a garrafa de champanhe.

- Tenho. Eu vou rapidinho.

Renato pegou o carro e saiu pela cidade em busca do que precisava. Seu plano era simples. Chegaria ao Extra em cinco minutos, pegaria a garrafa e voltaria para casa. Aproveitaria para pegar alguns DVDs para gravar os episódios de CSI que estavam faltando. Enquanto as ruas perto da avenida da praia estavam caóticas, as de dentro da cidade estavam bem desertas e Renato conseguiu chegar ao Extra em menos de cinco minutos. Porém, o supermercado estava fechado.

- Merda. Como eu não sabia que isso estava fechado? Os funcionários dessa porra também comemoram o ano novo.

Decidiu ir para algum posto de gasolina. Lá, provavelmente encontraria algo para beber e os DVDs que precisava. Não podia ficar sem os DVDs. (Afinal, precisava passar o primeiro dia do ano assistindo aos seus seriados – caso contrário, não teria nada para fazer naquele dia tão monótono.) Acelerou o carro e logo chegou no Texaco. Estacionou de qualquer jeito e entrou na loja de conveniência do posto.

Apenas a balconista estava lá dentro. Era uma menina loira, meio gordinha, que causou repugnância à primeira vista. Estava mascando chiclete e lendo uma revista qualquer de moda.

- Oi – ele falou, enquanto entrava na loja.

Ela não respondeu. E continuou olhando para a sua revista.

Renato foi para a geladeira procurar as garrafas de champanhe. Não achou nada. Nem na geladeira, nem nas outras prateleiras. Depois, foi em direção ao balcão.

- Ei, não tem champanhe aqui?

- Acabou tudo por causa do ano novo – ela respondeu, sem tirar os olhos da revista.

- Puta merda. E DVDs virgens? Mídias? Têm?

Sem abrir a boca, ela moveu a cabeça em direção a uma pilha de DVDs que ficava ao lado do balcão. Deu duas mascadas no chiclete e continuou lendo a sua revista. O crachá no seu peito dizia que seu nome era Renata.

Uma tevê, que ficava atrás dela, mostrava os reveillóns ao redor do mundo. Enquanto Renato procurava uma garrafa de champanhe para a sua namorada, já era ano novo na Austrália, na África do Sul e na Inglaterra.

Ele pegou cinco DVDs e voltou à geladeira para escolher que bebida ia levar. Tinha vinho, tequila, absinto, cerveja. Tudo menos champanhe. Resolveu levar um engradado de cerveja.

Voltou para o balcão. Segundo a tevê, faltavam três minutos para o ano novo. Ela sorriu por uma fração de segundo quando ouviu a notícia. De perto, até que ela não era tão repugnante. Renato começou a prestar atenção na garota. Gostava do jeito como ela pegava nas coisas e teve uma pequena ereção ali mesmo.

- Deu dezesseis e noventa – ela falou.

- Só tenho uma nota de cinqüenta.

- Só um minuto - E ela foi pegar o troco em uma gaveta do outro lado do balcão.

Renato não conseguiria chegar em casa a tempo. Não podia ficar sem um beijo de ano novo. Decidiu tentar com a menina. Agora ela não lhe causava mais repugnância. Na verdade, era até razoavelmente atraente. Quem sabe conseguiria um beijo de ano novo.

- Renata? Meu nome é Renato – falou, apontando para o crachá da gordinha.

Ela estendeu a mão com o troco para ele.

- Feliz ano novo – Renato tentou novamente.

Mas ela não respondeu nada.

- FELIZ ANO NOVO!!! – Alguém gritou na rua. Os fogos preenchiam o céu. Muitos bêbados gritavam. Muita gente de branco voltava descalça da praia. Era a visão do inferno. Mas ele gostava.

Renato entrou no carro, jogou as compras no banco de trás e partiu.

- Ei, dá pra passar de carro pelo canal 3? – perguntou pra um sujeito que estava passando na rua.

- Não cara, está um trânsito infernal. Vai pelas ruas de dentro mesmo.

Renato seguiu a sugestão do cara, mas mesmo assim ficou preso no trânsito. A primeira lata já tinha acabado, então resolveu abrir a segunda. Estava caindo bem. Fazia tempo que não se embriagava, e resolveu tomar a terceira. “Com certeza isso é melhor que a champanhe”, pensou.

Quando Renato entrou em casa, o relógio marcava duas e meia da manhã. Camila estava no quarto dormindo e ele foi para o computador gravar rapidamente os episódios de CSI que estavam faltando nos DVDs.

- Cá? Cá? – ele falou, acendendo o abajur do quarto.

- Hummm...

- Não tinha champanhe. Só cerveja. Bebe um golinho.

- Não, querido. Não vou beber. Eu acordo cedo amanhã.

- Só um gole.

- Renato, não posso. Já disse que amanhã acordo cedo.

- Por favor.

- Tá bem.

Camila bebeu um gole da cerveja e sorriu para ele.

- Feliz ano novo, Cá – ele falou.

- Pra você também.

Os dois se beijaram e se abraçaram.

- Vem aqui na sala. Eu consegui gravar os episódios de CSI que estavam faltando. Você tem que ver comigo.

Renato colocou o DVD na televisão e sentou para assistir aos episódios. Bebeu as cervejas que restavam no engradado. Em poucos minutos, Camila estava dormindo no sofá. Ele olhou para o relógio. Três horas da manhã.

- Feliz ano novo no Havaí!! – gritou na orelha dela.

- Porra, Renato! Você tá maluco? Quer me matar de susto? Eu preciso dormir. Amanhã acordo cedo!

Camila pegou o cobertor e voltou para o quarto.

- É assim que você me agradece por tentar ser bonzinho com você – ele falou.

E Renato continuou assistindo à tevê.

Ciro Hamen é jornalista, escreve diariamente sobre cinema no blog www.acentonegativo.blogspot.com e todas as quintas-feiras no Coletivo Action.

segunda-feira, abril 13, 2009

The Crabs Corporation, sangue novo na cena do reggae


A cena musical argentina sempre nos reserva coisas boas quando se fala de reggae e ska. Desde a bela Mimi Maura até o pessoal do Satelite Kingston e o Dancing Mood, a boa safra só aumenta, e a idéia é falar de uma das bandas que mais despontam: O The Crabs Corporation.

Formado por 5 caras com alcunhas bem estranhas, o Crabs Corporation - cujo nome é inspirado num dos selos mais populares de música jamaicana, a Crab - faz um reggae fortemente inspirado em bandas como Upsetters, Harry J All Stars, Vulcans, e todo o pessoal da ilha que se radicou na Inglaterra e começou a fazer um som inspirado em filmes de velho oeste e viagens do espaço. Esse som fez a molecada britânica pirar e ajudou ainda mais o ritmo da ilha caribenha a estourar na terra da rainha, tudo isso pelo final da década de 60 e início da de 70.



A história da banda começou quando ainda faziam parte da extinta Sonora Brixton, e ao aparecer a oportunidade de tocar um reggae instrumental e fincado nas produções pré roots apareceu, não a desperdiçaram. Os caras não se conformaram em apenas emular o som de 40 anos atrás, tanto é que o grande diferencial da Crabs Corporation é não parar no tempo e ser apenas mais uma banda revivalista, e sim colocar novas influências e idéias no seu som. A prova disso é o uso de samples, uma puta sacada, por sinal.

O grupo tem dois eps virtuais disponíveis. O primeiro, o "this generation", está pra ser lançado em um 7 polegadas por um selo alemão e o novo, lançado recentemente e que deve aparecer também em vinil, conta com participações do mito Dave Barker e a cantora inglesa Jen Bellestar. Isso nos conforta ainda mais, os caras estão bem encaminhados.

Com empolgantes lançamentos e um conceito muito criativo e novo sobre o reggae, o Crabs Corporation tem tudo pra ser um dos grandes expoentes da música jamaicana feita fora da ilha. Um alívio para os que buscam coisas novas e estão cansados das mesmices feitas por aí.

Myspace da banda

sábado, abril 11, 2009

Action presents: Mixtape Boogie Funk: A trip to the funky madness


É, amiguinhos. Mais uma mixtape da Action, e esta vem exalando sensualidade. Imagine-se numa cama king size com lençóis de cetim com cinco negros suados a sua volta. Essa é a definição de Boogie Funk. Um entremeio do funk com a disco e algumas com um toque de eletro. Em boa parte, a matéria do DâM Funk veio no momento certo para anteceder esta mixtape - o cara é um dos grandes baluartes do boogie atual. Certeza que ouvindo algumas dessas tracks você reconhecerá uma ou outra. Ou não, azar.
Entre desconhecidos, temos Khemistry, uma das fundadoras da Metalheadz, Lamont Dozier, um ex-#1 compositor pela Motown, tendo trampado até com Four Tops. Além disso temos Azymuth, um trio carioca de funk/soul, que inclusive gravou recentemente com Madlib (Jachson Conti - Sujinho), numa faixa straight from the 80s.
Fechando com chave de ouro, o verdadeiro sapequinha brasileiro, Sérgio Mallandro, como sempre na vanguarda musical brasileira, com um dos únicos funks sobre o amor entre um homem insuspeito e um travesti. Classic!
Agora vai, fecha a cortina, dá o play e tira o couro da nega!

Para ouvir, só clicar no play. Se quiser baixar, selecione a setinha para baixo ali a direita do player!
Mixtape Boogie Funk - A trip to the funky madness por coletivoACTION

Tracklist:

1 - Cliff Dawson - I can love you better
2 - Khemistry - I got a feeling
3 - Bernard Wright - Bread Sandwiches
4 - The Antilles - I've got to have you
5 - Lamont Dozier - Shout About It
6 - The Hudsons - Show me you care
7 - Azymuth - Dear Limmertz
8 - Gianni Riso - Disco Shy
9 - D-Train - Tryin' to get over
10 - Carl Carlton - Sexy Lady
BONUS TRACK: Serginho Mallandro - Mas que idéia

Caso fuck music não seja tua área, aproveite a outra mixtape, Calypso Hot! Hot! Hot! Gems from back the day.

quinta-feira, abril 09, 2009

A passagem do Pinheiro

Daqui pra frente, todas as quintas, o colega Ciro Hamen, do Acento Negativo, escreverá crônicas sobre a cidade pra Action. Na segunda edição das suas crônicas, o cara mata a pau falando do saudoso Pinheiro Neto, grande influência da Action e que por anos foi membro do melhor programa de esportes da cidade, o Esporte por Esporte.

Um dos programas mais clássicos da televisão santista, sem dúvida, é o Esporte por Esporte. No ar há mais de dez anos, o programa é uma espécie de mesa redonda destinada a debater futebol – ou melhor, o Santos Futebol Clube. Porém, a parte mais folclórica do programa são os seus comentaristas, verdadeiros dinossauros da crônica esportiva. Caras que estão no ramo desde que o rádio era movido à manivela.

Um desses comentaristas era Pinheiro Neto, que foi provavelmente o mais polêmico “companheiro de mesa” da história do Esporte por Esporte. Baixinho, careca e de óculos enormes, era o único que tinha coragem de peitar o apresentador Armando Gomes, quase sempre discordando do que ele falava e colocando na mesa suas opiniões polêmicas. Grande parte dessas brigas tinham motivações políticas. Pinheiro, diziam, era PT, enquanto Armando nunca escondeu suas posições direitistas e tucanas – apoiadas pela maioria da mesa. Eram brigas engraçadas de se ver.

Pinheiro era um cara meio enfezado. Antigamente o programa tinha uma platéia e ao final todos tinham que passar pela mesa e cumprimentar os participantes do dia. Certa vez, Pinheiro se recusou a apertar a mão de um grupinho de funkeiros, que provavelmente tinha ido ao programa para acabar com a tranqüilidade da mesa, enfiando aqueles laser vermelhos na cara dos participantes e dando risada dos comentários. Tudo - é claro - transmitido ao vivo. Para o deleite dos telespectadores.

Mas a minha história com Pinheiro foi diferente. Quando tinha uns 13 ou 14 anos fazia aula de inglês no Gonzaga, que era bem longe da minha casa, portanto precisava pegar um ônibus que me deixava mais ou menos perto da escola. Naquela época, os ônibus eram separados por uma catraca. Antes da catraca ficavam os idosos, que não precisavam pagar, e do lado de lá ficavam os outros – os que precisavam pagar. E Pinheiro Neto estava ali, entre os que não precisavam pagar. Fiquei que nem um bobo olhando para o Pinheirão ali sentado tranqüilamente. Aquele cara da tevê era um cidadão santista como qualquer outro.

Estava tão distraído com a presença ilustre do Pinheiro naquele simples ônibus, que demorei a perceber que tinha esquecido o dinheiro para pagar a passagem. Enfiei a mão nos bolsos e vi que estava sem nada. Merda. Ia ter que descer do ônibus e perderia a aula de inglês. Comentei com o cobrador que achava que estava sem a grana e já estava me preparando para descer do busão quando senti um cutucão nas minhas costas. Pinheiro Neto estendia dois reais – valor da passagem na época – para mim. Sem saber direito o que fazer, apenas agradeci e passei pela catraca. Fiquei sem reação. O Pinheiro Neto, o Pinheiro do Esporte por Esporte tinha acabado de pagar a minha passagem de ônibus. Que surreal era aquilo. Não dava para acreditar.

Poderia ter falado mil coisas para ele. Dizer que era fã dos seus comentários, que assistia ao programa todos os dias ou que gostava de sua careca lustrosa. Mas simplesmente não consegui. Estava em choque. O gesto simples do Pinheiro – pagando a passagem de ônibus para um desconhecido, que ele mal imaginava ser seu fã - me deixou sem palavras. Mal pude me concentrar no inglês naquele dia. O que aconteceu naquele ônibus ficou martelando na minha cabeça por algumas horas. E agora eu tinha uma história curiosa para contar aos amigos.

Pinheiro morreu no dia 23 de dezembro de 2002, véspera da véspera de natal. Depois disso, o programa Esporte por Esporte nunca mais foi o mesmo.

Ciro Hamen é jornalista, escreve diariamente sobre cinema no blog www.acentonegativo.blogspot.com e todas as quintas-feiras no Coletivo Action.

sábado, abril 04, 2009

O embaixador do Boogie Funk: Dam Funk


O Dam Funk, que já fora mencionado brevemente na Action, é um dos músicos mais criativos atualmente. Parece que a Stones Throw tem acertado em cheio com suas apostas, já não bastava o Mayer Hawthorne, agora é Dam Funk que merece ser falado por aqui.

O cara vem de Los Angeles e é considerado o embaixador do Boogie Funk, um rótulo meio nerd pra roupagem que o Funk ganhou na década de 80 através de bandas como Kool & The Gang, Ozone, Aurra e grande parte do catálogo da Prelude Records. O motivo desse título de embaixador é que além de promover uma festa em que ele mesmo discoteca esse som, ele possui uma puta influência do ritmo.

Pra começar, o cara utiliza baterias e sintetizadores antigos, tornando o seu som ainda mais característico. Eu poderia dizer que o Dam Funk pega toda sua bagagem do Boogie e desconstrói, jogando tudo numa batida cheia de grooves e inflûencias de Electro e Soul que ele chama de "Modern Funk".

Atualmente, Dam Funk possui um disco e um 12 polegadas lançados pela gravadora Stones Throw. O album Rhythm Trax Vol 4, faz parte de uma série com artistas da gravadora e possui 8 tracks cheias de experimentações com sintetizadores. É difícil explicar o que é, tudo o que eu falasse aqui poderia soar alguma análise blasé pra porra. Recomendo que assistam os vídeos no final da post. Nem vou falar muito do 12 polegadas, o Burgundy City. Só posso dizer que ele é menos experimentação e mais uptempo nas batidas. O visual espacial da capa do disco mostra uma puta influência das capas dos artistas de Boogie, bem legal.

O Dam Funk realmente levanta a bandeira do ritmo oitentista mas não deixa de apontar para o futuro mostrando um som totalmente novo e original, porém lotado de influências antigas.

A linda capa do Burgundy City

Ps: Rolou uma preguiça fodida de digitar a grafia correta do apelido do cara. O correto seria DâM FunK.




quinta-feira, abril 02, 2009

A gótica da praia

Daqui pra frente, todas as quintas, o colega Ciro Hamen, do Acento Negativo, escreverá crônicas sobre a cidade pra Action. Hoje ele estréia.

Lídia era uma garota “diferente”, segundo o padrão de garotas de Santos, um lugar estranhamente conservador. Gostava de passear por aí de jeans rasgados, botas sujas e uma camiseta do Christian Death. Ela era provavelmente a única pessoa da cidade que tinha uma camiseta dessa banda californiana de death rock - gênero de música quase sempre associado ao gótico. Apesar de não se considerar gótica, Lídia andava por aí com pessoas que sempre eram chamadas de góticas e isso a deixava puta da vida.

Freqüentava os barzinhos em frente à praia e dizia que não estava nem aí para os que confundiam o seu visual com “gótico”. Virava uma garrafa de cerveja atrás da outra e mandava quem não gostava ir se foder. Às vezes ia para lá com um skate embaixo do braço. Adorava andar de skate, mas odiava o Charlie Brown. Era amiga de vários garotos, mas não dava pra quase nenhum. Apenas para alguns. Era bastante seletiva. Só aqueles que eram razoavelmente bonitos e que não fossem cabeludos – algo que ela achava repugnante - tinham chances de algum dia entrar em seu quarto.

- Eu não sou gótica – gritava para os que a chamavam assim. – Não pode nem usar preto, maquiagem e bota que a pessoa já é considerada gótica.

- Às vezes eu não entendo umas coisas que você usa – falava Jéssica, sua melhor amiga.

- Como o quê, por exemplo?

- Essa coleira aí, cheia de espetos... O que é isso?

- Isso é um visual punk de verdade. O Danzig, do Misfits, usava uma dessas.

- Usava? Não sei não...

- Que droga. Você também não entende nada.

Certo dia, Lídia resolveu dar uma volta pela praia. Não tinha nada pra fazer, então comprou uns cigarros, uma cerveja e foi admirar a bela paisagem da orla. Sentou em um banquinho e ficou olhando para o horizonte. Não havia nada de diferente sobre a vista. A areia, o mar, os navios e os bandos de pássaros eram os mesmos de sempre. Mas naquele dia, ela estava realmente apreciando o clima do litoral.

Depois de quase meia hora sentada ali, um sujeito se aproximou. Usava longos dreads e tinha uma barba meio loira. Era um tipo meio surfista.

- Oi.

Em uma dia qualquer, Lídia provavelmente diria “Eu tenho conheço?”, mas nesta tarde ela precisava de companhia e queria saber o que um cara daquele achava do visual dela. Estava com a auto-estima baixa e queria ouvir uns elogios.

- Oi. Tudo bem? – falou.

- Eu te conheço de algum lugar.

- Conhece?

- Não é você que escreve aquelas histórias que são demais?

Logo, ela percebeu que o cara realmente conhecia ela e se arrependeu de ter dado corda para a conversa.

- Acho que sim.

- Uma vez eu estava no bar e falei pra você sobre o cara com quem eu moro e como ele é um idiota, que não ajuda a arrumar nada, não lava a louça e deixa tudo espalhado. Aí, na hora, você escreveu um conto sobre eu matando ele com garrafas, que ele tinha deixado pelo chão do nosso apartamento.

- É. Eu lembro disso.

- Nossa, eu achei aquilo o máximo. Será que você poderia escrever uma nova versão?

- Nova versão?

- É. Na verdade, eu estou aqui na praia porque precisava estudar, mas não consigo com todo o barulho que está em casa. Aquele filho da puta chamou mil pessoas para uma festa lá. Essa nova versão seria mais legal, com mais pessoas e MAIS mortes.

- É... Fica pra outra hora. Agora eu vou dar um mergulho.

- Ah... Tudo bem.

E ela andou em direção ao mar. Entrou na água de bota, camiseta do Christian Death e tudo.

Logo ficaria escuro e ela precisaria voltar pra casa.

Ciro Hamen é jornalista, escreve diariamente sobre cinema no blog www.acentonegativo.blogspot.com e todas as quintas-feiras no Coletivo Action.

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