quinta-feira, abril 09, 2009

A passagem do Pinheiro

Daqui pra frente, todas as quintas, o colega Ciro Hamen, do Acento Negativo, escreverá crônicas sobre a cidade pra Action. Na segunda edição das suas crônicas, o cara mata a pau falando do saudoso Pinheiro Neto, grande influência da Action e que por anos foi membro do melhor programa de esportes da cidade, o Esporte por Esporte.

Um dos programas mais clássicos da televisão santista, sem dúvida, é o Esporte por Esporte. No ar há mais de dez anos, o programa é uma espécie de mesa redonda destinada a debater futebol – ou melhor, o Santos Futebol Clube. Porém, a parte mais folclórica do programa são os seus comentaristas, verdadeiros dinossauros da crônica esportiva. Caras que estão no ramo desde que o rádio era movido à manivela.

Um desses comentaristas era Pinheiro Neto, que foi provavelmente o mais polêmico “companheiro de mesa” da história do Esporte por Esporte. Baixinho, careca e de óculos enormes, era o único que tinha coragem de peitar o apresentador Armando Gomes, quase sempre discordando do que ele falava e colocando na mesa suas opiniões polêmicas. Grande parte dessas brigas tinham motivações políticas. Pinheiro, diziam, era PT, enquanto Armando nunca escondeu suas posições direitistas e tucanas – apoiadas pela maioria da mesa. Eram brigas engraçadas de se ver.

Pinheiro era um cara meio enfezado. Antigamente o programa tinha uma platéia e ao final todos tinham que passar pela mesa e cumprimentar os participantes do dia. Certa vez, Pinheiro se recusou a apertar a mão de um grupinho de funkeiros, que provavelmente tinha ido ao programa para acabar com a tranqüilidade da mesa, enfiando aqueles laser vermelhos na cara dos participantes e dando risada dos comentários. Tudo - é claro - transmitido ao vivo. Para o deleite dos telespectadores.

Mas a minha história com Pinheiro foi diferente. Quando tinha uns 13 ou 14 anos fazia aula de inglês no Gonzaga, que era bem longe da minha casa, portanto precisava pegar um ônibus que me deixava mais ou menos perto da escola. Naquela época, os ônibus eram separados por uma catraca. Antes da catraca ficavam os idosos, que não precisavam pagar, e do lado de lá ficavam os outros – os que precisavam pagar. E Pinheiro Neto estava ali, entre os que não precisavam pagar. Fiquei que nem um bobo olhando para o Pinheirão ali sentado tranqüilamente. Aquele cara da tevê era um cidadão santista como qualquer outro.

Estava tão distraído com a presença ilustre do Pinheiro naquele simples ônibus, que demorei a perceber que tinha esquecido o dinheiro para pagar a passagem. Enfiei a mão nos bolsos e vi que estava sem nada. Merda. Ia ter que descer do ônibus e perderia a aula de inglês. Comentei com o cobrador que achava que estava sem a grana e já estava me preparando para descer do busão quando senti um cutucão nas minhas costas. Pinheiro Neto estendia dois reais – valor da passagem na época – para mim. Sem saber direito o que fazer, apenas agradeci e passei pela catraca. Fiquei sem reação. O Pinheiro Neto, o Pinheiro do Esporte por Esporte tinha acabado de pagar a minha passagem de ônibus. Que surreal era aquilo. Não dava para acreditar.

Poderia ter falado mil coisas para ele. Dizer que era fã dos seus comentários, que assistia ao programa todos os dias ou que gostava de sua careca lustrosa. Mas simplesmente não consegui. Estava em choque. O gesto simples do Pinheiro – pagando a passagem de ônibus para um desconhecido, que ele mal imaginava ser seu fã - me deixou sem palavras. Mal pude me concentrar no inglês naquele dia. O que aconteceu naquele ônibus ficou martelando na minha cabeça por algumas horas. E agora eu tinha uma história curiosa para contar aos amigos.

Pinheiro morreu no dia 23 de dezembro de 2002, véspera da véspera de natal. Depois disso, o programa Esporte por Esporte nunca mais foi o mesmo.

Ciro Hamen é jornalista, escreve diariamente sobre cinema no blog www.acentonegativo.blogspot.com e todas as quintas-feiras no Coletivo Action.

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