quinta-feira, abril 16, 2009

O Ano Novo

Daqui pra frente, todas as quintas, o colega Ciro Hamen, do Acento Negativo, escreverá crônicas sobre a cidade pra Action. Hoje, sua terceira crônica.

Faltava meia hora para o ano novo. Camila estava na cozinha preparando o almoço do dia primeiro de janeiro para a sua família, como fazia todos os anos. Enquanto isso, no quarto, Renato assistia à última temporada de CSI na televisão. Tinha baixado todos os episódios na Internet e gravou tudo em um DVD.

- Precisa de ajuda, Cá? – ele gritava.

- Não. Está tudo bem.

Renato tinha decidido ser mais bonzinho com Camila no próximo ano. Era uma de suas resoluções de ano novo. Tinha sido um namorado de merda nos últimos cinco anos, mas fez uma promessa de que aquilo ia mudar.

Renato largou os DVDs, entrou na cozinha e agarrou Camila por trás.

- O que está fazendo? – ela perguntou.

- Deixa eu mexer isso, vai.

- Não preciso de ajuda. Já falei. Prefiro fazer isso sozinha.

- Bom, então eu vou ir comprar uma garrafa de champanhe, como você tinha pedido.

- Essa é uma boa idéia. Mas não vai ficar tarde? Faltam vinte minutos para a meia-noite.

- Tudo bem. É rápido.

- Tem certeza, querido? Eu não me importo. Prefiro ter você aqui e um beijo seu em vez de a garrafa de champanhe.

- Tenho. Eu vou rapidinho.

Renato pegou o carro e saiu pela cidade em busca do que precisava. Seu plano era simples. Chegaria ao Extra em cinco minutos, pegaria a garrafa e voltaria para casa. Aproveitaria para pegar alguns DVDs para gravar os episódios de CSI que estavam faltando. Enquanto as ruas perto da avenida da praia estavam caóticas, as de dentro da cidade estavam bem desertas e Renato conseguiu chegar ao Extra em menos de cinco minutos. Porém, o supermercado estava fechado.

- Merda. Como eu não sabia que isso estava fechado? Os funcionários dessa porra também comemoram o ano novo.

Decidiu ir para algum posto de gasolina. Lá, provavelmente encontraria algo para beber e os DVDs que precisava. Não podia ficar sem os DVDs. (Afinal, precisava passar o primeiro dia do ano assistindo aos seus seriados – caso contrário, não teria nada para fazer naquele dia tão monótono.) Acelerou o carro e logo chegou no Texaco. Estacionou de qualquer jeito e entrou na loja de conveniência do posto.

Apenas a balconista estava lá dentro. Era uma menina loira, meio gordinha, que causou repugnância à primeira vista. Estava mascando chiclete e lendo uma revista qualquer de moda.

- Oi – ele falou, enquanto entrava na loja.

Ela não respondeu. E continuou olhando para a sua revista.

Renato foi para a geladeira procurar as garrafas de champanhe. Não achou nada. Nem na geladeira, nem nas outras prateleiras. Depois, foi em direção ao balcão.

- Ei, não tem champanhe aqui?

- Acabou tudo por causa do ano novo – ela respondeu, sem tirar os olhos da revista.

- Puta merda. E DVDs virgens? Mídias? Têm?

Sem abrir a boca, ela moveu a cabeça em direção a uma pilha de DVDs que ficava ao lado do balcão. Deu duas mascadas no chiclete e continuou lendo a sua revista. O crachá no seu peito dizia que seu nome era Renata.

Uma tevê, que ficava atrás dela, mostrava os reveillóns ao redor do mundo. Enquanto Renato procurava uma garrafa de champanhe para a sua namorada, já era ano novo na Austrália, na África do Sul e na Inglaterra.

Ele pegou cinco DVDs e voltou à geladeira para escolher que bebida ia levar. Tinha vinho, tequila, absinto, cerveja. Tudo menos champanhe. Resolveu levar um engradado de cerveja.

Voltou para o balcão. Segundo a tevê, faltavam três minutos para o ano novo. Ela sorriu por uma fração de segundo quando ouviu a notícia. De perto, até que ela não era tão repugnante. Renato começou a prestar atenção na garota. Gostava do jeito como ela pegava nas coisas e teve uma pequena ereção ali mesmo.

- Deu dezesseis e noventa – ela falou.

- Só tenho uma nota de cinqüenta.

- Só um minuto - E ela foi pegar o troco em uma gaveta do outro lado do balcão.

Renato não conseguiria chegar em casa a tempo. Não podia ficar sem um beijo de ano novo. Decidiu tentar com a menina. Agora ela não lhe causava mais repugnância. Na verdade, era até razoavelmente atraente. Quem sabe conseguiria um beijo de ano novo.

- Renata? Meu nome é Renato – falou, apontando para o crachá da gordinha.

Ela estendeu a mão com o troco para ele.

- Feliz ano novo – Renato tentou novamente.

Mas ela não respondeu nada.

- FELIZ ANO NOVO!!! – Alguém gritou na rua. Os fogos preenchiam o céu. Muitos bêbados gritavam. Muita gente de branco voltava descalça da praia. Era a visão do inferno. Mas ele gostava.

Renato entrou no carro, jogou as compras no banco de trás e partiu.

- Ei, dá pra passar de carro pelo canal 3? – perguntou pra um sujeito que estava passando na rua.

- Não cara, está um trânsito infernal. Vai pelas ruas de dentro mesmo.

Renato seguiu a sugestão do cara, mas mesmo assim ficou preso no trânsito. A primeira lata já tinha acabado, então resolveu abrir a segunda. Estava caindo bem. Fazia tempo que não se embriagava, e resolveu tomar a terceira. “Com certeza isso é melhor que a champanhe”, pensou.

Quando Renato entrou em casa, o relógio marcava duas e meia da manhã. Camila estava no quarto dormindo e ele foi para o computador gravar rapidamente os episódios de CSI que estavam faltando nos DVDs.

- Cá? Cá? – ele falou, acendendo o abajur do quarto.

- Hummm...

- Não tinha champanhe. Só cerveja. Bebe um golinho.

- Não, querido. Não vou beber. Eu acordo cedo amanhã.

- Só um gole.

- Renato, não posso. Já disse que amanhã acordo cedo.

- Por favor.

- Tá bem.

Camila bebeu um gole da cerveja e sorriu para ele.

- Feliz ano novo, Cá – ele falou.

- Pra você também.

Os dois se beijaram e se abraçaram.

- Vem aqui na sala. Eu consegui gravar os episódios de CSI que estavam faltando. Você tem que ver comigo.

Renato colocou o DVD na televisão e sentou para assistir aos episódios. Bebeu as cervejas que restavam no engradado. Em poucos minutos, Camila estava dormindo no sofá. Ele olhou para o relógio. Três horas da manhã.

- Feliz ano novo no Havaí!! – gritou na orelha dela.

- Porra, Renato! Você tá maluco? Quer me matar de susto? Eu preciso dormir. Amanhã acordo cedo!

Camila pegou o cobertor e voltou para o quarto.

- É assim que você me agradece por tentar ser bonzinho com você – ele falou.

E Renato continuou assistindo à tevê.

Ciro Hamen é jornalista, escreve diariamente sobre cinema no blog www.acentonegativo.blogspot.com e todas as quintas-feiras no Coletivo Action.

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