quarta-feira, maio 20, 2009

A (falta da) Motown no Brasil

A Motown com certeza é o maior exemplo de como a música negra transcendeu os pequenos guetos e atingiu um sucesso inimaginável. Era difícil imaginar que nos anos 60, negros poderiam entrar nas paradas musicais e lotar casas de shows. O racismo forte, a segregação racial, a separação entre clubes para brancos e os para negros. Tudo isso contribuia para uma hipocrisia fodida. Enquanto alguns negros faziam um trampo sofisticado e classudo, vendendo disco pra caralho, alguns brancos barravam os próprios negros de assistirem aos patrícios.

Contudo, a situação da pós guerra começava a mudar esse cenário, com uma abertura maior para o negro. Nos anos 50 iniciava um processo que era uma verdadeira façanha a um caminho mais igualitário com a música como ponta de lança, graças a Ray Charles, Chuck Berry, Nat King Cole e outros, mas faltava um empurrão definitivo. Em Detroit, cidade nortista americana famosa por suas fábricas de carro, a famosa Motor Town, um empresário negro, Berry Gordy Jr, funda a Motown, em 1959.

O selo, que hoje em dia foi absorvido pelo grupo da Universal Music completa 50 anos em 2009 e vem recebendo muitas homenagens. É uma pena que no Brasil, pouca gente dê a importância devida para a Motown e isso vem de muito tempo atrás. Quando o "Motown Sound" estava no seu auge nos EUA e em outros lugares do mundo, o Brasil ainda vivia sua fase da Jovem Guarda, e quando os músicos do nosso país assimilaram a música negra em seus sons, o Soul já estava mais funkeado, quase partindo pra Disco Music. Não vamos partir para um argumento 'sempre fomos atrasados', ou qualquer coisa do tipo. O que aconteceu foi que a 'fase black' brasileira demorou um pouco a chegar, com nossos grandes soulmen estourando depois.

É claro que não renegamos como a Soul Music foi absorvida aqui no Brasil. O funk de Tim Maia, o Samba-soul do saudoso Wilson Simonal, os caras fodidos como Dom Salvador, Gerson King Combo e até mesmo o Roberto Carlos, que flertou com o Funk de forma mambembe. O fato é que há uma lacuna grande no quesito pelo Brasil. Não é punheta; o que ficou conhecido como Motown Sounds aparenta ter tido pouco reconhecimento por aqui. As únicas músicas da Motown que atraíram alguma atenção aqui no auge da gravadora nos anos 60 foram Stevie Wonder, com My Cherie Amour e For Once in My Life e e Four Tops com Reach Out (I'll be there).
Claro, o soul veio pra cá, mas o que foi trazido do selo é um material escassíssimo, tal como as influências dos músicos da terrinha.



Seria muito legal se os músicos atuais fossem correr atrás das letras do trio de ouro da Motown, Holland-Dozier-Holland, o baixo hipnotizante do James Jamerson e da bateria de Richard Allen e Clifford Mack, ao contrário da grande sombra na qual muitos vivem hoje de chupinharem um som pausterizado sem alma que hoje infelizmente presenciamos por aí. Alguém pode vir e falar que o rap comercial atual é superlegalzão, tem até G-Unit sampleando Cartola. Puta tristeza, colocaram o trecho onde ele canta 'Deixe-me ir/preciso andar/Vou por aí a procurar' no começo de uma música com Movado, músico jamaicano, enquanto a mídia especializada daqui masturba o Don Cannon, o cara que teve a idéia de colocá-la na track. Até a referência bacana, quando usada, é de maneira pobre.

A música negra só é o que é hoje, mercado e sonoramente falando, graças a Motown. É fato que se você perguntar pra toda a molecada que faz sucesso atualmente, os caras tem inspiração nesse pessoal. Será? A qualidade do som feita hoje em dia é bem discutível, mas as influências estão lá. Muitos podem questionar esse texto perguntando do pessoal da Stax, da Atlantic Records, dos artistas da Filadélfia e de Chicago. Claramente importantíssimos, todos conseguiram dar sua visão musical pro Soul, mas é inegável que foi a Motown que conseguiu fazer o pessoal ser olhado com mais atenção e com mais respeito.

De qualquer modo, brindamos à Motown e a cada uma de suas estrelas que ajudaram a erguer o negro através de talento e empenho.

R. Darci e Morone

EDIT:

Putz, o DJ Benjamin Ferreira, do Boogie Central, nos deixou um comentário na caixa que adicionou umas infos legais e, até pra não se perder, o transcrito veio pro artigo principal:

"Embora a trajetória de Berry Gordy e a Motown tenha sido um tanto controversa e muitos defendam que o chefão era bastante envolvido com a máfia, isso não diminui em nada a virtuosidade de todos os envolvidos com a Motown durante todos esses anos. Mesmo com as vendas em baixa, entraram pela era disco e pelos anos 80 fazendo e entregando muita música boa.

No Brasil, infelizmente, amargaram anos de distribuição capenga - acho que os discos da Motown começaram a chegar pela Tapecar, gravadora bem pequena. Depois foram pra Top Tape, que melhorou um pouco o esquema de distribuição, lançando inclusive alguns 12inch singles, o que pros DJs brasileiros da segunda metade dos anos 70 significava muito!

No entanto, a coisa só se propagou mesmo quando o catálogo da Motown começou a ser lançado pela RCA, mas aí já estamos falando de fins dos anos 70/início dos 80. Motown no Brasil foi da RCA até 1989, quando a Universal comprou todos os direitos.

Há algum tempo eu coloquei no Discogs algumas infos e fotos de alguns releases da Motown no Brasil pela Tapecar e Top Tape.

http://www.discogs.com/label/Tapecar
http://www.discogs.com/label/Top+Tape

Valeu!

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Bela matéria!

    Embora a trajetória de Berry Gordy e a Motown tenha sido um tanto controversa e muitos defendam que o chefão era bastante envolvido com a máfia, isso não diminui em nada a virtuosidade de todos os envolvidos com a Motown durante todos esses anos. Mesmo com as vendas em baixa, entraram pela era disco e pelos anos 80 fazendo e entregando muita música boa.

    No Brasil, infelizmente, amargaram anos de distribuição capenga - acho que os discos da Motown começaram a chegar pela Tapecar, gravadora bem pequena. Depois foram pra Top Tape, que melhorou um pouco o esquema de distribuição, lançando inclusive alguns 12inch singles, o que pros DJs brasileiros da segunda metade dos anos 70 significava muito!

    No entanto, a coisa só se propagou mesmo quando o catálogo da Motown começou a ser lançado pela RCA, mas aí já estamos falando de fins dos anos 70/início dos 80. Motown no Brasil foi da RCA até 1989, quando a Universal comprou todos os direitos.

    Há algum tempo eu coloquei no Discogs algumas infos e fotos de alguns releases da Motown no Brasil pela Tapecar e Top Tape.

    http://www.discogs.com/label/Tapecar
    http://www.discogs.com/label/Top+Tape

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  3. Benjamim, primeiramente cara, obrigado pelo elogio.
    Legal pra cacete sua colaboração, passando essas infos à respeito da distribuição dos discos aqui no Brasil.
    A distribuição das coisas da Stax/Atlantic foi melhor do que a Motown por aqui, né?

    Abraço

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  4. Poxa, fiquei honrado que vcs tenham gostado do texto e incluído no artigo principal! :-)

    A Stax, se não me engano, também saía aqui pela Top Tape, assim como o CTI. Quanto à Atlantic, começou pela Continental, que depois virou WEA/Warner. A qualidade geralmente era sofrível, mas só por ter os discos já vale a pena.

    Abraços e parabéns pelo blog - já virei fã!

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  5. (A qualidade da qual eu falo era do vinil, e não do que era gravado nele, claro! hahahaha! É o que dá escrever às 3 da manhã :P)

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