quinta-feira, janeiro 15, 2009

Entrevista sobre Gonzo jornalismo com Cardoso 'Czarnobai'

Na segunda metade de 2007, terminando meu TCC de Gonzo Jornalismo, entrevistei o inteligentíssimo Cardoso, que teve uma série de sites e etc's que envolviam o assunto e, ao menos pra mim, o trampo dele foi o maior do gonzo no formato online (e se pá no resto também, temos poucos gonzos competentes) no país.
Essa entrevista nunca chegou a ser publicada em lugar algum fora o TCC e eu não pedi autorização pra por no blog, mas ele é sangue bão.
Ah, e por ser pra um TCC, tem muita pergunta bronha e formulada quadradona.
Abraço pro Cardoso.

EDIT: Ele falou que tá OK, só pediu pra eu linkar pro site dele, coisa tão óbvia que eu deveria ter pensado antes dele pedir. De qualquer modo, vejam: Qualquer.org.

Cardoso, como começou seu trabalho de gonzo jornalismo na web?

Totalmente por acaso. Desde muito cedo, logo que entrei na faculdade,
eu tinha essa vontade incontrolável de propor um tipo novo de
jornalismo. Quer dizer, um tipo que eu achava que era novo. Ali pelo
primeiro mês de aulas, quando ainda nem tinha tido nenhuma cadeira
específica e perdia a maior parte do tempo com experimentalismos e
loucuras, fui a uma festa que os veteranos ofereceram aos calouros
(que aqui no RS chamamos de "bixos", com X mesmo). No dia seguinte
escrevi um relato em forma de reportagem sobre a festa, em primeira
pessoa, como se eu estivesse observando e vivendo a experiência de ser
um estudante em uma festa de faculdade pela primeira vez. Imprimi umas
10 cópias e colei em diversos lugares estratégicos: porta da sinuca,
dos banheiros, dentro de elevadores, algumas salas que eu freqüentava.
O texto era anônimo, assinado com um pseudônimo. Mesmo assim,
rapidamente todos souberam que eu havia escrito. Muita gente veio
falar comigo. Alguns fizeram críticas, outros elogiaram. Uns seis
meses depois, sem qualquer relação com este episódio, comecei a
escrever emails para os meus colegas, em parte porque aquela era uma
tecnologia nova, em parte porque não possuía o telefone de ninguém. Os
textos destes e-mails também tinham um formato jornalístico, mas
tratavam sempre de assuntos corriqueiros e triviais. Era uma espécie
de piada, uma transgressão do formato, que ainda por cima vinha com
uma pitada de humor e descontração. Era o começo do CardosOnline. Mal
sabia eu que estava começando, ali, naqueles e-mails, a forjar o meu
estilo. Com quase um ano - e mais de 80 edições - de CardosOnline, o
escritor (e COLunista) Daniel Pellizzari me perguntou "Tu já leu
Hunter Thompson? Acho que às vezes tu faz coisas bem parecidas com as
que ele fazia. Pensei que era tua influência." Intrigado, fui atrás.
Comecei a ler os livros, as biografias, e trocar idéias com outras
pessoas que conheciam melhor sua vida e obra. Dali pra IRD foi um
pulo.

Porque você quis veicular esse tipo de material na internet? Porque você
considerou essa a melhor opção?

Não tem muito a ver com o GONZO em si, e sim com a facilidade que se
tem em publicar qualquer tipo de conteúdo escrito na web. Quer dizer,
não precisa ser um conteúdo exatamente marginalizado pra estar na web.
Mesmo no começo, isso não tinha muito a ver. A desculpa inicial era
mesmo a questão da PRATICIDADE. O lance era o seguinte: era um jeito
mais BARATO de publicar teus textos e, ao mesmo tempo, ter um contato
quase IMEDIATO com o leitor. Não tinha como ser melhor. Tu não
precisava fazer praticamente nada além de escrever e apertar num botão
pra enviar (no caso do COL) ou postar (no caso da IRD ou blogs). Se eu
optasse por ter meu próprio veículo impresso, mesmo que fosse um
fanzine xerocado, eu teria SÈRIOS problemas de execução. Esse troço dá
muito trabalho. Só pra xerocar uma tiragem de, sei lá, 100 exemplares,
eu já gastaria o triplo do tempo que eu levava pra enviar mil ou 2 mil
edições virtuais do COL. Quer dizer, era MUITO barbada.

Qual sua opinião sobre a atual grande mídia e uma nova retomada de uma
minoria, como veículos como Piauí, Brasileiros e similares?

Acho que a Piauí, apesar de ter muitas qualidades, ainda tem seus
muitos defeitos. É uma revista elitista, por vezes extremamente chata,
que acaba fazendo sentido para um grupo muito, mas muito restrito de
leitores, mesmo. Acho que no Brasil ainda não se aprendeu a se fazer
jornalismo POPULAR e de QUALIDADE. Aqui, se pensa que esses conceitos
são opostos - e isso é um grande erro. No mais, acho que a grande
mídia cumpre, sim, o seu papel de informar superficialmente. Ser
leitor/espectador passivo é algo que está com os dias contados. Hoje
em dia, quem quiser conhecer todos os lados de uma questão poderá
fazê-lo graças à internet, com seus milhões de canais independentes e
oficiais. Em outras palavras, uma mentira só se sustenta enquanto há
sigilo absoluto. Quando o primeiro vazamento foi detectado, acabou:
tudo vai por água abaixo.

Qual o futuro do gonzo jornalismo?

Nenhuma idéia. Mas espero que seja pelo menos MENCIONADO nas
faculdades de jornalismo, e que essa citação venha pelos PROFESSORES,
e não pelos alunos. Nem acho que precise ser uma CADEIRA à parte, e
que deva se obrigar todos os alunos a praticarem o gênero como
exercício. Mas gostaria que fosse APRESENTADO, que fosse CONSIDERADO,
afinal de contas, é parte da história.

O jornalismo contracultural e de moldes mais libertos que o convencional
estagnou no gonzo ou haverá novas revoluções?

Não acho que tenha estagnado. Acho que a definição de jornalismo é que
precisa mudar, para contemplar mais coisas do que normalmente
contempla. Com o jornalismo saindo, aos poucos, das mãos dos grandes
veículos, e indo cada vez mais para as mãos da mídia independente
(ainda que tosca em um primeiro momento), a tendência é que isso
aconteça nos próximos anos.

Qual a importância da internet no mecanismo de se criar novos modos de
jornalismo, ou da prática de antigos?

Em grandes veículos, nula. Não existe, ainda, um "jornalismo online"
em lugar nenhum do mundo. A linguagem ainda não existe, não adianda
forçar a barra. Mas pelo menos estamos ajudando a FORJÁ-LA, aos
poucos, com diversas atitudes inteligentes. A principal contribuição
que a internet tem em todo esse processo é justamente o fato de tornar
um número muito maior de informações disponíveis, de graça, a um
número muito maior de pessoas - tudo em tempo real. Em outras
palavras, isso TIRA o poder dos grupos de comunicação e DIVIDE com
cada usuário, espectador, leitor e ouvinte, que vêm se sentindo cada
vez mais à vontade como GERADOR de conteúdo e PROPAGADOR de
informação. Faça um teste: entre em um site especializado em qualquer
assunto e tente passar uma informação inverídica. Quanto tempo vai
demorar até que ela seja desmascarada? Quem vai desmascarar essa
mentira não será um jornalista, mas sim um usuário qualquer, com
informações suficientes para fazê-lo. A grande revolução nem é mais no
FORMATO, mas sim na DETENÇÃO da informação. Quem tem? Como ela é
usada?

A prática do 'eu, repórter', que reverte a linha horizontal habitual de
transmissor-receptor, é válida, sendo que muitos desses novos produtores de
conteúdo não tem embasamento teórico?

Ahn... Já ouviu falar de "conteúdo gerado pelo usuário"? É a base da WEB 2.0. Em outras palavras, é a nova revolução da mídia. No mais,
embasamento teórico e lixo, para um jornalista, é exatamente a mesma
coisa. Aprende-se muito mais em dois meses de redação do que em quatro
anos em uma faculdade. Os melhores jornalistas brasileiros, por sinal,
geralmente são aqueles que NÃO tem formação jornalística. Regulamentar
a profissão do jeito que foi feito nos anos 60 foi a maior cagada que
poderiam ter feito no Brasil.

Existe alguma conexão da literatura gonzo com outras artes, como a música e o cinema, tirando o filme Medo e Delírio?

Com o cinema, sim, já que existe todo um gênero pornô chamado 'gonzo'.
Um dos principais representantes é o célebre Seymore Butts. Quanto à
música, isso parece não fazer o MENOR sentido, até porque toda música
é, pelo menos em teoria, algo extremamente pessoal.

Pra você, quais os elementos principais do Gonzo? O humor é essencial ou
apenas um acessório?

Essencial, mas não um humor pastelão, fanfarrão, e sim um humor mais
sutil e, ao mesmo tempo, ferino, fazendo uso do sarcasmo e da ironia.

Se pudesse escrever, qual seria um guia para aspirantes a escritores
gonzo?

Escrevi isso pra Folha há alguns meses atrás. Dá uma olhada:

DEZ MANDAMENTOS DO GONZO JORNALISMO

1) Tenha o talento de um grande escritor, o olhar de um fotógrafo, e
os culhões de um ator, ou seja, viva a ação e reporte-a enquanto - e
como - estiver se desenrolando.

2) Torne-se parte do objeto de sua reportagem e interfira no destino
da história.

3) Escreva, sempre, em primeira pessoa.

4) Desenvolva um estilo extremamente pessoal e único tanto ao apurar
quanto ao contar a história.

5) Não deixe que o leitor perceba onde termina a realidade e onde
começa a ficção.

6) Abuse de recursos humorísticos sofisticados, como o sarcasmo e a ironia.

7) Perca-se em intermináveis digressões sobre os mais variados assuntos.

8) Descreva lugares, pessoas e ações nos mínimos detalhes.

9) Explore sem medos todo o seu vocabulários e seus recursos lingüísticos.

10) Não se leve muito a sério.


R. Darci

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