quinta-feira, novembro 26, 2009

Primeiro Indie Rock Fest

Todas as quintas, o colega Ciro Hamen, do Acento Negativo, escreve crônicas sobre a cidade pra Action. Depois de um período de férias, o cara tá de volta. Hoje, sua vigésima segunda crônica.

No dia 26 de novembro de 2004 aconteceu a primeira edição do histórico Indie Rock Fest, evento que marcou o final daquele ano, em Santos. Tinha voltado dos Estados Unidos há pouco mais de dois meses e já havia montado uma banda, o La Motocyclette, na qual eu tocava baixo e cantava. Para tocar guitarra, chamei o Elito, um cabeludo de óculos, que tinha acabado de conhecer por meio de um amigo, o Papito, que também fazia parte do grupo, mas resolveu sair, e na bateria, ficou o Robson, um fã de Teenage Fanclub e Nada Surf, que conheci em um show, de maneira peculiar: perguntando de pessoa em pessoa se alguém tocava bateria. Com o intuito de fazer um som sujo e cheio de guitarras distorcidas, convidei alguns outros grupos para ajudar no festival, que ia acontecer no Praia Sport Bar, única casa de shows que abria as portas para o rock na cidade.

O pouco trabalho que tive foi o de fazer alguns flyers xerocados em papel sulfite, distribuir por lojas, faculdades e pontos importantes da cidade, além de criar um CD bem eclético, que ia de Rilo Kiley a Interpol e Belle and Sebastian a Bright Eyes para rolar no evento. Arranjar a data no Praia Sport e ensaiar toda semana com a nova banda também faziam parte das obrigações, claro.

As atrações do evento eram as seguintes: La Motocyclette, a minha banda; The Last Day, “projeto solo” do Elito, guitarrista do La Motocyclette; Daylight Sparks, liderada pelo Gilmar, irmão do nosso baterista, Robson, que fazia um som com letras em português e melodias adocicadas a la Weezer; Smile, indicada por ele, que seguia essa mesma linha; e Supergrave, banda do lendário Peruca, do Guarujá (o apelido era por causa de sua antiga cabeleira que ia até a cintura), também no estilo Weezer/Nada Surf.

Pouco mais de cem pessoas encheram a casa naquela noite de sexta-feira. Um verdadeiro feito para um evento sem grandes nomes e de um gênero mais ou menos desconhecido na época, o indie rock.

Entre todas essas pessoas que quase lotaram o lugar, o Bruno, um de nossos novos amigos roubava a cena. Ele tinha saído do trabalho às 10 horas e com a intenção de chegar “meio bêbado” no show, comprou um “barrilzinho” de cachaça no caminho. Conseguiu beber metade do recipiente até a porta do Praia Sport e para não desperdiçar nada, virou o restante de uma só vez, pois não era permitido entrar com bebidas alcoólicas. Em poucos minutos ficou desacordado. Foi socorrido por alguns amigos e depois levado para o banheiro. Mal sabia que não veria nenhum dos shows a seguir.

A primeira “banda” da noite foi o The Last Day, que na verdade era o guitarrista do La Motocyclette, Elito, cantando e tocando guitarra, sem o acompanhamento de mais ninguém. Obviamente, a apresentação serviu apenas para adicionar mais “atrações” ao festival e foi motivo de chacota durante os poucos minutos que durou. Algumas meninas mais exaltadas ameaçavam jogar latas e xingavam o garoto, que saiu do palco cabisbaixo ao perceber que não agradou os presentes. Sem piada, aquele foi o último dia e último show do The Last Day.

Logo depois da apresentação, ele resolveu levar a namorada para casa e prometeu voltar ao Praia Sport a tempo do nosso show (seríamos a terceira banda). Meio contrariado e já sabendo que aquilo não ia dar certo, falei pra ele ir e voltar logo. Aproveitei para tomar umas cervejas e confraternizar com a galera que estava presente, enquanto o Daylight Sparks subia no palco. Gilmar tocava as suas canções, que, segundo o próprio, são “cheias de açúcar”, para um público que àquela hora da noite chegava ao seu ápice.

Enquanto isso no banheiro, as pessoas não entendiam o que estava acontecendo com o Bruno. Ninguém sabia quem era o sujeito caído em uma poça de merda e vomito, completamente desacordado. Uma garota que ficava com ele na época queria ligar para o 190 ou para os pais do semimorto. Por sorte, o Indie Rock Fest não foi interrompido pela chegada de uma ambulância para resgatar o moribundo. Alguém muito esperto impediu que o telefonema fosse feito.

Apesar do coma alcoólico do Bruno, a minha preocupação era com o nosso guitarrista, Elito, que não aparecia. O Daylight Sparks já anunciava a sua última música, um cover de “100%”, do Sonic Youth, e o guitar-hero do La Motocyclette ainda estava fora com a namorada. O CD usado como música ambiente, cheio de hits indie, já estava prestes a entrar em repeat pela segunda vez, quando achei melhor dar a vez de terceira banda da noite para o Supergrave. Peruca e seus amigos começaram a plugar as guitarras e montar a bateria no palco.

Um pouco depois, finalmente Elito chegou. Completamente descontrolado, fui pra cima dele, querendo quebrar a cara do infeliz. Tentando desviar a atenção, Elito ia em direção ao palco, dizer ao Supergrave que estava na nossa vez de tocar. O festival só não acabou em tragédia porque fui contido pelo Papito e pela “turma do deixa disso”. Segurado em um canto, tudo o que podia fazer era insultá-lo. O som do Supergrave abafava os xingamentos acalorados.

Quando a poeira baixou, Elito me chamou para dividir uma garrafa de vinho do lado de fora do local da apresentação. Vendido - e pelo bem do show que faríamos em poucos minutos -, resolvi fazer as pazes com o cara responsável por ter jogado o La Motocyclette para o final da madrugada. Ele pediu desculpas e disse que era bom tocarmos por último, pois seriamos a melhor banda e o pessoal ia embora pra casa impressionado.

O problema é que já eram altas horas da noite e a maioria dos presentes estava com sono e começava a ir embora. Melancolicamente, me despedia de todos que iam para casa, se desculpando por não poder ficar e assistir ao show. Sem muita alternativa, o jeito era beber.

A quarta banda da noite, o Smile, já subiu no palco meio cabreira, pois no seu último show, o Papito tinha recepcionado os caras imitando a voz de boneco inflável do vocalista. Dessa vez, eles puderam entrar sem serem avacalhados e até dedicaram uma música ao “fracassado”, que estava desmaiado no banheiro (ao ficar sabendo da “homenagem”, depois de recobrar a consciência, Bruno não poupou xingamentos aos panacas).

Lá pelas 3 horas da manhã, finalmente chegou a vez do La Motocyclette. Poucas pessoas ainda estavam no Praia Sport Bar para ver o show. Bêbados de vinho e ainda sem muito ensaio, erramos praticamente todas as músicas. Alguns amigos, disfarçando o constrangimento, disseram que “parecia o Nirvana”, devido à empolgação do Elito, que balançava a cabeleira, enquanto surrava a guitarra. Outros - mais sinceros - diziam que a gente “precisava de mais ensaio”.

Obviamente, este foi o último show desta banda. E ali também acabava a curta amizade com Elito.

No banheiro, o segurança da casa com um rodo nas mãos resmungava: “Não sabe beber é foda”. Bruno era levado para fora do Praia Sport junto comigo, Robson, Papito e Gilmar. Naquela embriaguez de madrugada-quase-manhã podíamos perceber que nascia ali uma amizade duradoura.

Já com o dia amanhecendo, resolvemos passar no supermercado para tomar umas cervejas. Não contente com o que tinha acontecido há pouco, Bruno pegou uma garrafa para tomar conosco. Um amigo meio maluco, que se dizia responsável por ter “trazido o Modest Mouse para o Brasil” e me chamava de “rei do Indie Rock”, comentava que só conhecia duas pessoas que tinham ressuscitado no mundo: Jesus Cristo e o Bruno, a quem chamava de Bukowski, pelas semelhanças (não físicas, mas de filosofia bêbada) com o escritor norte-americano. Depois disso, Bruno nunca mais conseguiu virar cachaça.

Ciro Hamen é jornalista, escreve diariamente sobre cinema no blog www.acentonegativo.blogspot.com e todas as quintas-feiras no Coletivo Action.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ratings by outbrain

Action é um conjunto de idéias voltado para o design, música negra e jornalismo gonzo proveniente de Santos, SP. Confira nosso Release ou entre em Contato.